domingo, 23 de outubro de 2011

A Líbia que eu conheci – 3

domingo, 23 de outubro de 2011





 Kadafi ao lado de seu eterno ídolo, o presidente Násser do Egito

Belo e os dois policiais estão parados ao lado de um reluzente carro Mercedes Benz novinho em folha.

Perguntei o que estava acontecendo.

Um dos policiais me disse que o meu companheiro não parava de apontar a chave do carro na ignição. E que eles não sabiam a razão, pois Belo não falava o árabe e nem eles o “brasileiro”.

Então era por isso que eles saíram juntos do hotel.

Nada preocupante.

Belo me explicou e eu traduzi para o policial que ele, ao ver a chave na ignição, ficou preocupado de alguém roubar o carro.

Os dois policiais começaram a rir e disseram tratar-se de um carro abandonado.

Era um costume no país.

Quem não gostasse do carro bastava abandoná-lo com a chave dentro. O interessado podia levá-lo.

Essa era a Líbia da época.

Muita fartura, nenhuma miséria e a abundância ao alcance de todos.

Alias isso podia se observar nas pessoas.

Os mais velhos, que viveram sob o domínio dos colonialistas e durante a monarquia, eram pessoas alquebradas, corpo seco.

As crianças e os jovens eram saudáveis e alegres.

Só para se ter uma idéia da Líbia sob Kadafi, tudo custava mais ou menos o equivalente a 3 dólares.

Havia supermercados gigantescos, mas nada era vendido a varejo.

Quem quisesse arroz, por exemplo, pagava 3 dólares pelo saco de 50 quilos.

Tudo era nessa base.

Fomos visitar o parque industrial de Trípoli e eu pedi para conhecer uma tecelagem.

Perguntei como era a relação com os clientes e um técnico  alemão  que ali se encontrava para montar o maquinário, começou a rir.

“Os líbios são loucos”, me disse. E completou: “eles não vendem nada aqui por metro, somente a peça  inteira. E para qualquer um que entrar na fábrica e pedir”.

Perguntei o preço da peça: 3 dólares a peça de 50 metros...

Mas se você, por exemplo, quisesse comprar uma gravata, qualquer uma, o preço mínimo era o equivalente a 200 dólares.

Um cachimbo, 300 dólares.

Ou seja, todo produto que que lembrasse os colonizadores e, de acordo com eles, representasse ou sugerisse consumo supérfluo, era altamente taxado.

Bebida alcoólica, nem pensar. Dava prisão sumária.

E foi o que aconteceu com dois jornalistas argentinos, cuja “esperteza” os remeteu ao porto e ali compraram de um cargueiro, uma garrafa de uísque.

Um dos funcionários do hotel sentiu o bafo e os denunciou.

É verdade que eles não foram presos, porque eram convidados do governo.

Mas não puderam entrevistar ninguém, muito menos o Kadafi...

E nós só soubemos disso porque o embaixador do Brasil, uma figura simpaticíssima, uma noite nos convidou para a Embaixada e, ali, nos ofereceu um uísque de não sei quantos anos (guardado a sete chaves num cofre), que Manse e Belo acharam delicioso.

Claro que eu também bebi um gole, apesar de detestar uísque.

Seja de que marca for, de que ano for.

Sempre me lembrou o gosto de iodo.

Evidentemente não faria uma desfeita ao embaixador tão solícito.

Não estalei a língua porque aí seria demais.

Antes de nos despedirmos, o embaixador nos ofereceu um litro de  leite para cada um, pois segundo ele o leite disfarçaria o nosso hálito.

Na porta, perguntei ao embaixador se ele poderia nos dar um depoimento.

“O Kadafi é um Gênio”, respondeu.

Surpreso, perguntei.

O senhor considera o Kadafi um Gênio?

Sim! Um Gênio!
Continua..

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