quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O perigoso mundo dos derivativos 23/02/2012


Empresas brasileiras especularam com derivativos cambiais, entre 2007 e 2009, período que marcou o início da crise financeira mundial, muito mais do que foi divulgado à época. O número de companhias não-financeiras envolvidas nessas operações, que, após a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, se revelaram desastrosas, foi bem maior que o revelado. Uma boa parte das apostas teve caráter especulativo e não apenas de proteção (hedge) contra variações cambiais.

Por Cristiano Romero*


O pesquisador José Luiz Rossi Júnior, do Insper, fez um minucioso e inovador estudo sobre o tema. Em vez de simplesmente conduzir uma pesquisa por amostragem, entrevistando as empresas, ele analisou o balanço de 200 companhias. Ele tirou proveito do fato de que, desde o fim de 2008, normas baixadas pelo governo deram mais transparência à exposição cambial de firmas não-financeiras.

Essas normas foram adotadas depois que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) constatou que grandes grupos, como Sadia, Aracruz e Votorantim, sofreram pesadas perdas com derivativos cambiais, sem que seus acionistas fizessem a mais pálida ideia do risco que as companhias estavam correndo. As autoridades nunca revelaram a extensão do problema, mas o Banco Central (BC) estima que os derivativos cambiais de empresas exportadoras somaram, naquela época, US$ 38 bilhões. Os prejuízos provocados pela desvalorização do real que se seguiu à quebra do Lehman são calculados em US$ 10 bilhões.

Intitulado "Hedge or Speculation? Evidence of the Use of Derivatives by Brazilian Firms During the Financial Crises" (Hedge ou Especulação? Evidência do Uso de Derivativos por Empresas Brasileiras Durante a Crise Financeira), o trabalho de José Luiz Rossi não cita nomes de empresas, mas analisa os possíveis incentivos que levaram companhias sólidas a ingressar no perigoso mundo dos derivativos.

O trabalho não poderia ser mais oportuno porque algumas das razões que levaram grandes exportadores a especular com taxa de câmbio em 2008 e mesmo em 2009 ainda estão aí - a apreciação do real frente ao dólar e os elevados custos de transação (diferencial de taxa de juros interna e externa) são dois exemplos. Ademais, o próprio governo parece estar preocupado porque, na semana passada, criou grupo técnico para formular medidas que incrementem o monitoramento do mercado de derivativos.

Geralmente, companhias realizam operações de derivativo para se proteger de desvalorizações repentinas da moeda local. Fazer hedge é parte do gerenciamento de risco, afinal, em países emergentes, como o Brasil, a exposição a câmbio é maior e as taxas de câmbio são mais voláteis que as de países ricos.

Ocorre que, em 2008, muitas empresas brasileiras montaram posições de derivativos não para se proteger de uma possível desvalorização do real, mas para obter ganhos com o movimento oposto: o da apreciação da moeda nacional em relação ao dólar. Fizeram isso porque, dada a forte acumulação de reservas cambiais pelo BC - de janeiro de 2004 a dezembro de 2009, elas saltaram de US$ 53,2 bilhões para US$ 239 bilhões -, havia a garantia tácita de que flutuações acentuadas do câmbio não seriam permitidas.

A aposta era a de que a taxa, que em julho de 2008 chegou a R$ 1,56 por dólar - hoje, está em torno de R$ 1,72 -, continuaria apreciando. É curioso observar que as empresas tomaram risco quando o mundo desenvolvido já estava em crise desde meados de 2007. No fundo, de forma olímpica, jamais acreditaram que a crise atingiria o Brasil. Naquele ano, segundo o estudo de Rossi Jr., 67 empresas brasileiras usaram algum tipo de derivativo. Em 2008, esse número aumentou para 98 e, no ano seguinte, caiu para 68.

O trabalho mostra que, das 98 companhias que recorreram a derivativos em 2008, 38 especularam no mercado de câmbio. Das 38, 16 tomaram posições inesperadas, mesmo levando em conta as necessidades de hedge face à exposição cambial, e 22 claramente elevaram o volume de derivativos sem que tivesse ocorrido um aumento proporcional da exposição em moeda estrangeira. Em 2009, 16 foram classificadas como especuladoras, sendo 11 na primeira categoria e cinco na segunda. Nos dois anos, 60 empresas fizeram operações normais, não-especulativas, de hedge.

A exposição de uma empresa a câmbio é baseada na diferença entre sua receita total em moeda estrangeira e a soma de suas despesas e dívida também em moeda estrangeira. A posição líquida em derivativos pode ser calculada pela diferença entre as posições curtas e longas em dólar.

Para definir se uma companhia especula ou não com derivativos, Rossi Jr. compara a exposição cambial com a posição derivativa líquida. Diz-se que uma empresa especula com derivativos quando, num mesmo ano, tem uma posição líquida no mercado de derivativos oposta àquela que precisava ter para fazer o hedge da exposição cambial. Neste caso estão os exportadores líquidos que mantêm posições longas em dólar e os importadores líquidos que possuem posições curtas.

Um segundo grupo de empresas que especulam com derivativos são aquelas que montam posições em linha com sua exposição cambial durante um ano, mas aumentam a exposição em derivativos, de forma significativa, em relação ao ano anterior sem que a exposição cambial tenha se elevado no mesmo período. Pesquisadores definem que, para todos os casos, deve ser considerada especulativa uma mudança superior a 30% do montante ideal líquido total das posições em derivativos.

0"Por que as companhias acreditam que podem obter ganhos especulando com derivativos ainda é uma questão em aberto. Mesmo as empresas mais internacionalizadas não têm expertise suficiente no mercado para atingir resultados significativos. Essa generalização é ainda mais verdadeira no mercado de câmbio. Mesmo a literatura que tenta prever seus movimentos indica que nenhum modelo é bom o bastante, em todos os períodos, para prever a taxa de câmbio", observa Rossi Jr.

*Cristiano Romero é editor-executivo do jornal Valor

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