domingo, 25 de março de 2012

Fundador do Boticário conta como transformou a marca na maior rede de franquias do País 25/03/2012

Em entrevista ao Estadão PME, Miguel Krigsner fala sobre o início do negócio e as estratégias adotadas para o sucesso
Ligia Aguilhar - Estadão PME



Márcio Fernandes/AE
Márcio Fernandes/AE
A maior rede franquias do País, O Boticário nasceu em uma rua pouco comercial de Curitiba, no Paraná. O que poderia ser um tiro no pé se tornou o atrativo da pequena farmácia de manipulação, que ficou famosa no boca a boca ao lançar uma linha própria de cosméticos que caiu no gosto das mulheres. A lojinha discreta logo ganhou uma unidade maior no aeroporto da cidade e uma linha de perfumes. A partir daí, a marca de fato decolou. Em oito anos, O Boticário já era uma rede de franquias robusta, com 500 lojas.

Foi assim, com um investimento de apenas US$ 3 mil e quase sem querer, que o farmacêutico Miguel Krigsner, de 62 anos, criou O Boticário. Em 35 anos de história, completados no último dia 22, a rede de franquias chegou a 3.260 unidades espalhadas em 1,6 mil municípios brasileiros. No ano passado, faturou R$ 5,5 bilhões e se tornou a maior rede de franchising brasileiro, a frente do McDonald’s.  E não para por aí. O plano estratégico da empresa prevê um total de 4 mil lojas até o fim de 2014.

Em entrevista exclusiva ao Estadão PME, Krigsner, hoje presidente do Conselho Administrativo do grupo, relembrou os primeiros anos do negócio, as dificuldades enfrentadas e falou sobre as estratégias para o sucesso do negócio.

Qual foi a sua estratégia para transformar uma farmácia de manipulação na maior rede de franquias do País?
Se eu disser que houve planejamento estratégico estaria mentindo, até porque minha formação é como farmacêutico. O que aconteceu foi que naquele momento (1977) havia uma grande oportunidade de mercado que era resgatar as farmácias de manipulação, principalmente com foco na área de dermatologia. Eu não gostava de análises clínicas e queria fazer algo totalmente diferente e inovador.  Quando você vai empreender, há um momento de muita coragem em que você assume todos os riscos e enfrenta uma série de dificuldades para criar algo que, se der certo, pode ter sucesso. Em março de 1977, eu abri uma farmácia de manipulação em uma rua de pouco movimento em Curitiba e as coisas foram acontecendo. Não pensava em lojas, franquias, nada disso. Eu simplesmente tinha o ‘feeling’ de que meu negócio poderia dar certo porque a maioria dos produtos vendidos no Brasil era importada e não tinha nada a ver com o gosto da brasileira nem com o clima do País.  Então, aprendi que existem coisas que não podemos planejar.

Qual foi o momento em que você percebeu que poderia construir uma grande empresa?
Foi quando me dei conta de que a farmácia não poderia ser um negócio grande, já que os produtos eram fabricados de acordo com a prescrição dos dermatologistas.  Havia uma grande demanda por cosméticos e me deu uma ‘coceira de empreendedor’, uma vontade de trilhar um caminho diferente. Sabia que para criar algo maior precisava desenvolver produtos com muita qualidade, pois esse seria o único motivo para o consumidor voltar a comprar. Então, comecei  a fazer muita pesquisa para desenvolver produtos hipoalergênicos e acabei me aprofundando cada vez mais na área de cosméticos. Criei alguns produtos próprios e coloquei à venda em uma pequena vitrine na farmácia. Rapidamente a venda deles ultrapassou a da manipulação e me fez pensar como continuar nesse caminho. Na volta de uma viagem, vi que havia um espaço no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, que estava em reforma. Ganhei a licitação e montei uma farmácia tradicional, com espaço para vender meus próprios produtos.

Como foi o processo de expansão?
O Silvio Santos ia lançar uma linha de perfumes com a marca Chanson, quando conseguiu a oportunidade de ter sua própria emissora de televisão. Ele mudou o direcionamento dos seus investimentos, mas ficou com estoque enorme de embalagens de vidro (estima-se cerca de 70 mil) que ele havia mandado fabricar e que estavam armazenadas no galpão onde ele iria montar os estúdios de gravação. Vi ali uma oportunidade única que decidi agarrar. Comprei todo o estoque em dez vezes e mandei duas carretas de embalagens para Curitiba. Comecei a vender os produtos (foi na época que nasceu o primeiro perfume da marca, a colônia Acqua Fresca) no aeroporto e logo apareceram os primeiros interessados na revenda de produtos. As pessoas queriam montar lojas em outras cidades e para me livrar dos vidros eu aceitava. Descobri depois que esse era o sistema de franquias e fui investigar. Em 1985 já tinha 500 franqueados. Até então, as lojas tinham nomes diferentes em cada cidade, algumas eram mistas e os contratos eram pouco elaborados. Decidimos padronizar e montar lojas exclusivas.  O grande segredo do franchising é alavancar o negócio com capital de terceiros, contanto que em troca  você ofereça um padrão de qualidade, atendimento, garantia de território e inovação constante. É por isso que eu fui atrás de designers e fornecedores que pudessem trazer a mesma sofisticação das embalagens dos produtos internacionais para o Brasil e criei toda uma rede de fornecedores, que era nosso grande problema na época.

Como você lidou com o crescimento da empresa e a necessidade de trabalhar cada vez menos como farmacêutico e mais como gestor?
Quando uma empresa começa a crescer, é importante não ter apego, identificar os seus limites, contratar profissionais capacitados, delegar e largar o osso. Eu tive muita sorte de encontrar profissionais que foram se desenvolvendo a ponto de hoje ter uma empresa familiar que é também totalmente profissionalizada.  Claro que esse não é um processo fácil. Como não sou administrador, precisei ler muito, conhecer o negócio a fundo, porque você só consegue delegar se conhecer o todo. Mas claro que por causa da minha formação, até hoje sou muito apaixonado pela área de desenvolvimento e consigo sentar com um pesquisador e discutir possibilidades para um produto. Por outro lado, não gosto tanto de planejamento, mas tenho a felicidade de ter meu cunhado, o Arthur (Grynbaum, presidente da empresa) que gosta dessa área. Então, formamos um conjunto interessante.

Uma das maiores dificuldades dos empreendedores é conseguir dinheiro para financiar a empresa. Como foi esse processo no O Boticário?
Eu comecei a farmácia com apenas US$ 3 mil e acho que o grande segredo para dar certo foi nunca ter tirado dinheiro do negócio e reinvestido todo o lucro. O primeiro dinheiro grande que tirei da empresa foi após dez anos de existência. Até então, meu salário sempre foi o menor possível, até porque achava que recorrer a bancos era algo extremamente difícil e arriscado. Só utilizei esse recurso em algumas épocas, como no final do ano, quando tinha que aumentar muito a produção por causa do Natal sem ter recebido nenhum pagamento. Atualmente, todo nosso crescimento é alavancado com capital próprio a acredito que essa é a melhor forma de uma empresa crescer.

Como o sr. avalia o desempenho do mercado de beleza e cosméticos, que tem crescido de forma expressiva nos últimos anos? O que uma pequena empresa precisa para se dar bem nessa área?

O mercado está extremamente aquecido, pelo maior acesso que as classes emergentes têm a produtos de mais qualidade e pelo avanço da mulher no mercado de trabalho. Há também um interesse internacional de entrar no Brasil, mas as marcas ainda esbarram em problemas de distribuição e logística que dificilmente serão sanados no curto prazo. Também tem a questão das diferenças climáticas e de gosto das brasileiras. Mas acredito que em dez anos, mais ou menos, o mercado se torne mais competitivo. Por isso, quem quiser entrar nesse mercado  precisa ter personalidade. Houve um período no Brasil em que tudo se copiava. Isso não funciona mais. Para dar certo, uma empresa precisa inovar, até porque o consumidor está sempre em busca de novidades.

O grande desafio das empresas familiares é o processo de sucessão. Como o sr. estruturou esse processo dentro do grupo O Boticário?
Há dez anos eu comecei a ver que o Arthur (Grynbaum) poderia ser o meu sucessor, então, ele assumiu a vice-presidência e comecei a passar as coisas para ele. Foi uma sucessão muito lenta, para que toda a estrutura fosse se acostumando com ele. Quando fiz 60 anos, decidi criar o Conselho de Administração porque queria ver o negócio por outro ângulo. Eu não penso em parar, até porque amo o que faço, mas a empresa tem que ter vida própria e uma linha de comando muito firme.  Acredito que a tendência dentro de uma organização como o grupo O Boticário é ter a família dentro do Conselho de Administração ou em um Conselho Familiar. O que eu não quero é que a capacitação da família segure a evolução do negócio. Temos milhares de exemplos no Brasil de empresas que deram errado por causa da família.


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