segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Kenneth Waltz: O homem que defende a bomba nuclear do Irã 27/08/2012

Do The Diplomat

No Viomundo
Kenneth Waltz conversa com Zachary Keck sobre seu controverso artigo na Foreign Affairs, ”Why Iran Should Get the Bomb”, sobre a China, os problemas entre Índia-Paquistão, terrorismo e mais.
Ao longo dos anos você entrou no debate político em apenas algumas ocasiões de sua escolha, como nas críticas à guerra dos Estados Unidos no Vietnã. Isso me leva a perguntar: o que o fez escrever sobre a questão nuclear iraniana?
Pensei que era uma questão importante que não estava sendo discutida adequadamente. A questão estava sendo definida de forma estreita, em termos do Irã. Mas há outras lições importantes além do país e da região que precisam ser consideradas e que podem ser aplicadas ao caso do Irã. Eu estava interessado no que poderia contribuir neste aspecto do debate. Mas fiz isso principalmente porque a [revista] Foreign Affairs pediu.
Os formuladores de política trabalham da perspectiva de seus próprios interesses nacionais. Como você nota no artigo para a Foreign Affairs, Israel obtém benefícios substanciais com seu monopólio nuclear regional e um Irã nuclearmente armado reduziria significativamente a liberdade de ação de Israel e dos Estados Unidos na região. Qual é o incentivo para que formuladores de política israelenses e norte-americanos evitem que o Irã obtenha armas nucleares?
Claramente Israel tem um grande interesse em evitar que o Irã se torne um estado nuclear. Não acho que o mesmo se aplique aos Estados Unidos. O interesse norte-americano de longo prazo é que a região seja estável e pacífica. A existência de um único poder nuclear sem equilíbrio é receita para instabilidade a longo prazo. O dado impressionante é que Israel tenha conseguido se manter o único poder nuclear por tanto tempo! Neste sentido, Israel é uma anomalia. A anomalia será removida se o Irã se tornar um poder nuclear.
Quando o governo Obama assumiu o poder, muitos ofereceram a visita de Nixon à China como um modelo que o presidente Obama poderia seguir para acabar com a natureza contraditória das relações Estados Unidos-Irã. Não se disse, no entanto, que a reaproximação sino-estadunidense ocorreu depois que a China obteve disuassão nuclear confiável (embora não necessariamente por causa disso). Poderia a conquista de uma arma nuclear pelo Irã tornar a reaproximação com os Estados Unidos  mais provável no futuro?
Não sei se seria uma reaproximação genuína. Mas penso que, como aconteceu com outros países nucleares que temíamos originalmente, os Estados Unidos virão a aceitar o Irã como um estado nuclear, refletindo um padrão bem estabelecido. Nós nos opomos a qualquer estado do qual não gostamos e desconfiamos quando ele se torna nuclear. Quando isso acontece, não temos escolha a não ser viver com isso. Então poderemos ter uma relação muito mais calma com o Irã do que temos agora.
Você frequentemente aponta para a relação Índia-Paquistão como exemplo de onde a introdução de armas nucleares estabilizou uma relação antes inclinada para a guerra. Alguns leitores do Diplomat na Índia devem se perguntar se tiraram alguma vantagem disso. Embora nenhuma grande guerra tenha sido iniciada desde os testes nucleares de 1998, grupos terroristas paquistaneses promoveram uma série de ataques dentro da Índia, aos quais Nova Delhi teve dificuldade para responder por causa do poder disuassório nuclear de Islamabad. Dado que o tamanho da população e da economia da Índia fazem dela um poder militar convencional muito maior, Islamabad não se conteria mais se os dois poderes não tivessem armas nucleares?
A Índia naturalmente não queria que o Paquistão se tornasse um estado nuclear. Um segundo estado nuclear naturalmente prejudica o primeiro. É difícil imaginar um estado nuclear aceitando facilmente ou graciosamente que seu adversário se torne nuclear. Mas certamente, a longo prazo, as armas nucleares significaram paz no subcontinente. Isso em grande contraste com as expectativas da maioria das pessoas. Abundaram declarações de especialistas, acadêmicos e jornalistas sugerindo que as armas nucleares significariam guerra no subcontinente. Todos estes especialistas negaram que o relacionamento entre a Índia e o Paquistão poderia vir a ser parecido com o que houve entre Estados Unidos e União Soviética. Quando dois países tem armas nucleares se torna impossível para qualquer deles atacar os interesses manifestadamente vitais do outro. Ainda é possível, no entanto, que estados nucleares se envolvam em escaramuças e elas podem ser mortais. Um exemplo histórico disso foram as disputas fronteiriças entre União Soviética e China (1969) e mais recentemente os ataques em Mumbai. Mas nunca estas escaramuças sairam de controle para provocar uma guerra abertamente declarada.
Na Foreign Affairs e em outros lugares você disse que muitos estados se tornam menos agressivos depois de obter o poder disuassório nuclear. Um país que não parece seguir este padrão, no entanto, é a Coreia do Norte. As ações de Pyongyang em anos recentes incluem o afundamento do [navio] Cheonan e os ataques a Yeonpyeong [na Coreia do Sul]. O que impediria o Irã, armado com bombas nucleares, de seguir o mesmo padrão?
É verdade que a Coreia do Norte tem se envolvido em negócios nefastos. Mas é importante ter em mente que não é um rompimento com a tradição. O regime de Kim se engajou em terrorismo e provocações por décadas — você pode se lembrar que a Coreia do Norte foi responsável pelo assassinato de vários ministros da Coreia do Sul em 1968. Assim, é verdade que a Coreia do Norte não se tornou completamente pacífica desde que conseguiu armas nucleares. Mas ao mesmo tempo não penso que se tornou muito mais agressiva. Na verdade, tem sido notavelmente constante em sua tendência de ameaçar a Coreia do Sul.
O objetivo de abolir armas nucleares recebeu uma grande atenção em anos recentes, com alguns formuladores de política alinhados ao realismo dando apoio à ideia. Você se mantém cético. Por que?
O presidente Obama e vários outros advogam a abolição das armas nucleares e muitos aceitaram este objetivo como desejável e realista. Mesmo considerar o objetivo e contemplá-lo me parecem estranhos. De um lado o mundo conhece as guerras desde tempos imemoriais até agosto de 1945 [quando os Estados Unidos detonaram a bomba de Hiroshima]. Desde então, não houve guerras entre os maiores estados do mundo. A guerra foi relegada a estados periféricos (e, naturalmente, dentro deles). As armas nucleares são as únicas armas promotoras da paz que o mundo já conheceu. Seria estranho para mim advogar a abolição delas, já que tornaram as guerras praticamente impossíveis. Minhas ideias são reforçadas e melhor explicadas no [livro] Spread of Nuclear Weapons, que escrevi com Scott Seagan.
Em recente entrevista a James Fearon, você predisse que o período do mundo unipolar em breve acabaria e apontou a China como o país emergirá como o próximo superpoder. Qual deveria ser a resposta dos Estados Unidos ao crescente poder da China? Você acha que a nova política do governo Obama na Ásia é devida ou os Estados Unidos não deveriam se preocupar demais, dada a estabilidade inerente à bipolaridade e ao fato de que os dois países são poderes nucleares?
Deveríamos nos preocupar, naturalmente, como qualquer país se preocupa quando as relações de poder no mundo mudam. Certamente, os Estados Unidos estão dedicando maior atenção à Ásia. Isso é justificável por vários motivos, inclusive pela crescente importância econômica da Ásia. Não há razão para os Estados Unidos ficarem preocupados indevidamente com a crescente importância da China. A China não pode usar suas armas nucleares para intimidar, não mais que os Estados Unidos. A situação entre os dois grandes poderes é inerentemente estável por esta razão. Entre os Estados Unidos, a China e entre outros grandes poderes, vai haver um extenso período de ajustamento sobre uma série de questões locais (China e Japão, China e o Sudeste da Ásia, demandas da China sobre ilhas, etc.). Mas estas devem ser disputas menores e não devem ser encaradas como perigosas.
Finalmente, qual é sua avaliação geral da política externa do governo Obama? O que, em sua opinião, ele fez certo e onde há necessidade de mudanças?
O governo Obama fez bem ao tentar reduzir a proeminência da dimensão militar na política externa norte-americana. Mas há muito por fazer. Nossos gastos militares não foram reduzidos tanto quanto deveriam ter sido. Os Estados Unidos não enfrentam ameaça militar fundamental e raramente um país esteve nesta posição. Precisamos completar a retirada do Afeganistão. O motivo que nos leva a seguir o exemplo tolo e secular de ficar atolado naquele país me escapa. No Iraque, erramos ao invadir. Por isso apoiei a retirada do Obama. Gostaria de ver o mesmo no Afeganistão o mais rapidamente possível. O governo Obama também adotou uma política mais sistemática em relação ao terrorismo. O governo Bush reagiu com força a um ataque terrorista, mas o terrorismo como ameaça a interesses norte-americanos foi grandemente exagerado nestes anos — houve um exagero absurdo na reação. A reação do governo Bush ao terrorismo não foi surpreendente porque tinhamos tido pouca experiência com o terrorismo internacional. Mas o governo Obama adotou uma política mais equilibrada — um sinal da crescente sabedoria que advém de anos de experiência sobre o significado do fenômeno. Em geral, esse equilíbrio tem sido uma característica da política externa do governo Obama.

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