quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Com crise e neonazismo, Grécia vive nova diáspora e população encolhe 20/02/2013

Opera Mundi

Estudantes e meio artístico, sem perspectivas de emprego, são os principais afetados pelos memorandos do FMI

O documentarista Nikos Stamboulopoulos decidiu deixar Atenas em 2009, quando a crise da dívida grega ainda era a ponta de um iceberg no horizonte. Fez as malas com a vitória do partido de centro-esquerda PASOK, na eleição de outubro daquele ano, e desembarcou em Amsterdã para recomeçar a vida. A Grécia, sua terra natal, ficou no retrovisor. Hoje, ele assiste de longe às notícias do país, que passa pela pior crise de sua história recente.
Arquivo Pessoal

Documentarista enfrenta dificuldades e preconceito na Holanda, mas não pretende voltar à Grécia


Stamboulopoulos lamenta ver a Grécia em recessão profunda e despreza a ascensão fascista, com o sucesso eleitoral do partido Aurora Dourada. Desiludido, ele faz parte de um grande contingente de gregos que, sem perspectivas de crescimento no próprio país, decidiu deixá-lo para buscar trabalho no já saturado e pouco promissor mercado europeu. A decisão de emigrar, explica, foi bastante dura. Mas necessária.

“A crise e suas consequências já estavam presentes para qualquer um que não estivesse negando a própria realidade, o que lamentavelmente inclui a maioria da população grega”, relatou a Opera Mundi. “Eu decidi sair porque o setor cultural foi atingido muito antes de entrarmos oficialmente em recessão, e a Holanda parecia uma boa escolha por sua estabilidade financeira e seu papel na produção de documentários”, explicou.

Os reflexos dessa nova diáspora, da qual faz parte Stamboulopoulos, ainda não foram pesquisados a fundo, mas a tendência é visível em censos recentes. A população grega, em suma, já encolheu. De acordo com a Eurostat, a agência de estatísticas europeia, cerca de dois gregos a cada mil deixaram o país entre 2009 e 2011. E segundo o censo de 2011 da Elstat, a agência grega de estatísticas, a população absoluta do país caiu para 9,9 milhões, ante 10,3 milhões de 2001.

Acadêmicos acreditam que o êxodo atual é comparável aos milhares que saíram em busca de exílio no período que antecedeu a junta militar grega (1967-1974). Entre os principais destinos continuam Holanda, Alemanha, França, Suécia, Estados Unidos e Austrália. Os emigrantes são em sua maioria profissionais gregos com ensino superior, frustrados com a recessão econômica e sem perspectivas. 


As taxas de desemprego na Grécia são as mais altas da Europa. Mais de 25% da população não tem trabalho e os cortes provocados pelas políticas de austeridade, impostas pelos memorandos do FMI (Fundo Monetário Internacional), tem disparado uma enxurrada de greves pelo país em todos os setores da economia. Professores, estivadores e metroviários encabeçam a lista.
Preconceito dentro e fora
A ascensão neonazista grega é um dos motivos para que búlgaros e sírios, com quem Opera Mundi conversou em Berlim e Atenas, tenham deixado a Grécia nos últimos meses. O medo e o preconceito, segundo eles, que conviviam com a classe média grega há pelo menos uma década, destruíram a atmosfera relaxada do país. A única opção possível foi buscar uma vida nova na Alemanha e na Suécia, respectivamente.

Mas o mesmo preconceito sentido por imigrantes sírios, búlgaros, paquistaneses ou indianos na Grécia se estendeu, em termos, a toda a Europa. Gregos que emigraram rumo a economias mais vistosas da União Europeia sentiram isso na pele. Rotulados como “preguiçosos” pela imprensa popular conservadora de Holanda, Reino Unido e Alemanha, eles sofrem para conseguir empregos e passam por situações embaraçosas.

“A mídia tradicional holandesa fez uma festa com a crise grega, lançando mão do estereótipo do grego folgado que aproveita uma vida luxuosa à custa dos trabalhadores holandeses”, conta Stamboulopoulos. “Essa é uma narrativa popular em muitos países europeus, onde decisões políticas questionáveis e medidas de austeridade desnecessárias precisam ser justificadas aos eleitores.”

“Nem é preciso dizer que essas generalizações ofensivas não explicam por que a taxa de suicídios na Grécia dobrou, ou por que os neonazistas de repente se tornaram uma força influente nessa sociedade em cacos”, continuou ele.

Mesmo com a vida complicada no exterior, voltar à Grécia parece ser uma iniciativa vazia para muitos. Os gregos que vivem no exterior, segundo relatos, estão divididos quanto à possibilidade de “salvação econômica” do país. Ao mesmo tempo, intelectuais cobraram um posicionamento da grande diáspora grega do século 20, do período entre guerras (1918-1939), hoje já estabelecida como classe média nos Estados Unidos, Austrália e outros países europeus.

Apesar das campanhas de solidariedade, e do esfriamento da crise europeia até a eleição alemã, que acontece em setembro, o rumo econômico e político da Grécia ainda é incerto. As expectativas de quem está dentro e fora do país são muitas. “Vou fazer o melhor que eu puder para tirar a Grécia desse pesadelo, esperando que um dia eu possa escolher voltar para casa. Eu tenho medo da possibilidade de me tornar mais um imigrante que mascara a própria nostalgia com orgulho nacional, por um passado que nunca existiu”, afirma Stamboulopolos.

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