domingo, 24 de fevereiro de 2013

Pressões explosivas no sistema monetário internacional 24/02/2013

O sistema monetário internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário, continuará a ser fonte de pressões explosivas na economia mundial. Enquanto não for corrigida a sua estrutura e, em especial, o papel hegemónico do dólar dos EUA, persistirão as fontes de tensões económicas e a recuperação será mais difícil. Por Alejandro Nadal, La Jornada.
O défice externo também aumentou porque a procura por ativos financeiros nos EUA contribuía para valorizar o dólar: as exportações dos EUA ficavam mais caras enquanto as importações barateavam. Imagem de Chesi Foto CC
Entre as causas da crise global encontram-se alguns elementos estruturais da economia mundial. Um dos mais importantes é o defeituoso sistema monetário internacional. Enquanto não for corrigida a sua estrutura e, em especial, o papel hegemónico do dólar dos EUA, persistirão as fontes de tensões económicas e a recuperação será mais difícil.
A supremacia do dólar pode ser explicada por vários fatores. É a herança da conferência de Bretton Woods (1944) na qual foi consagrado o dólar como âncora do sistema de taxas de câmbio fixas, peça-chave do sistema monetário internacional. Este esquema outorgou uma enorme vantagem para os Estados Unidos, mas constitui um fator de desequilíbrio internacional de grande importância.
A partir de 1945, a organização da economia mundial permitia aos Estados Unidos importar o que quisesse e pagar com uns papeizinhos verdes que diziam In God We Trust (Confiamos em Deus). Claro, no princípio a economia dos Estados Unidos manteve um superávit comercial porque as economias europeia e japonesa tinham sido devastadas pela guerra. Mas já nos anos 60 as coisas começaram a mudar: a balança comercial dos EUA deteriorou-se e desde então a sua condição deficitária não deixou de se agravar.
Frente ao défice dos Estados Unidos surgiram países que mantiveram um superávit constante nas suas relações comerciais com o gigante norte-americano. Esses países constituíram reservas em dólares, mas também começaram a reciclar os seus dólares na própria economia dos Estados Unidos. Isso incrementou a procura por todo o tipo de ativos financeiros nesse país, aumentando o preço desses ativos e reduzindo a taxa de juros. Desta forma, as famílias e empresas nos EUA puderam aumentar a sua procura enquanto conservavam uma enganosa sensação de boa saúde económica.
Desde 1973, os salários deixaram de crescer e o endividamento converteu-se no principal instrumento dos lares para manter o seu nível de vida. O salário deixou de ser a base da reprodução da força de trabalho e a procura agregada manteve-se de maneira artificial, ajudada também por episódios de inflação nos preços de ativos, como casas e papéis nas Bolsas de Valores. Essas bolhas permitiam incrementar a procura durante algum tempo, ainda que causassem grandes danos ao estourar.
O défice externo também aumentou porque a procura por ativos financeiros nos EUA contribuía para valorizar o dólar: as exportações dos EUA ficavam mais caras enquanto as importações barateavam. Esse estado de coisas reduziu a inflação e beneficiou o consumidor norte-americano, mas também contribuiu para o desmantelamento da indústria manufatureira do país.
Os Estados Unidos foram-se convertendo no consumidor de última instância da economia mundial. Os países que tinham problemas para aumentar a sua procura agregada (como a Alemanha e a China) foram dependendo cada vez mais da inesgotável capacidade de compra dos EUA. O dólar continuou a ser a moeda de reserva por excelência (mais de 60% das reservas mundiais de divisas) e hoje os países credores possuem milhares de mlhões de dólares em ativos emitidos pelo governo dos EUA e por Wall Street. Nessas condições, ninguém quer que os Estados Unidos se submetam à chamada disciplina do mercado para resolver o problema de seu défice externo.
Em plena crise mundial renasce a pergunta sobre o que permitirá reformar o sistema monetário internacional. Uma possível resposta está no aumento da procura agregada dos países com superávit, o que teria de ser feito aumentando os salários nessas economias. Os autores pós-keynesianos pensam que isso permitirá contar com outras fontes de crescimento económico sem ter de se basear no consumidor dos Estados Unidos.
No entanto, mesmo nesse caso, os ajustes internacionais não seriam tão fáceis. Em primeiro lugar, é preciso lembrar as origens do problema: a estagnação dos salários nos anos 70 não foi uma casualidade. O corte nos gastos salariais foi a resposta do capital à queda na taxa de lucro na década anterior. Será possível que as economias dos EUA, da Alemanha e agora da China introduzam políticas de aumento salarial? Isso parece quase impossível, sobretudo no contexto atual no qual o custo da crise foi repassado para os trabalhadores.
Em segundo lugar, os fluxos de capital característicos da economia mundial não facilitam o ajuste das contas externas de um país. É falso dizer que o sistema de taxas de câmbio flexíveis permita esse ajuste porque os fluxos de capital perturbam o processo que deveria levar à eliminação dos desequilíbrios. É precisamente o esquema neoliberal de economia aberta que faz com que os fluxos de capital gerem uma apreciação cambial no momento em que mais se necessita de uma desvalorização.
O sistema monetário internacional deve ser reformado pela raiz. Do contrário, continuará a ser fonte de pressões explosivas na economia mundial.
22/2/2013
Tradução de Katarina Peixoto para a Carta Maior

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