segunda-feira, 27 de maio de 2013

Muniz Ferreira: O continente africano no mundo contemporâneo 27/05/2013

Vermelho

Uma das implicações históricas mais significativas da Segunda Grande Guerra (1939-1945) foi o declínio da centralidade europeia no sistema de poder mundial. Até então, as potências do chamado “velho continente” haviam exercido uma duradoura supremacia sobre as demais regiões do mundo, principalmente nos aspectos econômico, político, diplomático e militar.

Por Muniz Ferreira, professor da UFBA, Site da Unegro


Do topo de tal preeminência, os estados nacionais e os homens de negócio europeus submeteram, pela força e pelo logro, povos e civilizações, exportaram mercadorias, capitais e as regras da economia de mercado e impuseram suas línguas, religiões, concepções de mundo e valores culturais.

Como resultado de tais processos o continente africano experimentou a escravidão e o colonialismo, a subordinação de seus sistemas tradicionais de organização social às da valorização do capital e testemunhou a constituição de ordenamentos políticos internacionais, nos quais desempenhava o simples papel de “área de influência” e “reserva estratégica” à disposição dos poderes coloniais.Porém, a Segunda Guerra Mundial contribuiria para modificar tal quadro. Esgotadas econômica e militarmente pelo desenrolar da conflagração, as grandes potencias europeias experimentaram uma limitação (mas não a eliminação) de sua capacidade de preservar coercitivamente grandes impérios coloniais. Assim, no hiato vigente entre o final da Segunda Grande Guerra e a cristalização da bipolaridade leste-oeste, as concepções referenciadas na ideia de descolonização e emancipação nacional do continente africano conquistaram carta de cidadania das discussões internacionais.

Com a finalidade de conduzir os esforços conjuntos dos países africanos a um patamar superior, foi criada em Durban, na África do Sul, a 09 de junho de 2002, a União Africana, em substituição à Organização da Unidade Africana, fundada em Adis-Abeba (Etiópia) em 25 de maio de 1963. As tarefas da OUA foram as mesmas da primeira geração de lideres africanos pós-independência e dos condutores dos processos de libertação nacional. Seu objetivo principal consistiu em proporcionar apoio econômico, militar e diplomático aos movimentos de luta pela descolonização, contribuir para sua unidade e divulgação de suas atividades, no que foi, em geral, bem sucedida. Quantos a outros objetivos inscritos na agenda da entidade quando de sua instauração, os resultados foram, de modo geral, bem mais modestos, a saber: o desenvolvimento de políticas comum e da cooperação econômica entre os países africanos, a consolidação da influência internacional dos estados do continente, a proteção da soberania, da integridade territorial e da independência dos estados e a coordenação das atividades destes em matéria de política externa, economia, defesa e cultura.A UA (União Africana) surge num contexto diferente. Trata-se de uma fase caracterizada pela eliminação das últimas sobrevivências coloniais no seio do continente, o regime racista da África do Sul, desmantelado em 1994, da pacificação de sociedades dilaceradas por décadas por destrutivas guerras civis, como Angola e Moçambique, dos avanços democráticos materializados na remoção de velhos ditadores do poder como Mobuto e da emersão de novas lideranças regionais, como os dirigentes sul-africanos. Nesta atmosfera estão dadas condições substancialmente favoráveis para a construção de novos consensos políticos continentais, para uma maior convergência diplomática e cooperação econômica.


Os objetivos da UA não são pequenos, como não é pequeno o tamanho dos desafios que terá de enfrentar. Pretende-se a criação de um Parlamento Pan-Africano, no Tribunal de Justiça, de um Conselho Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de um sistema financeiro (Banco Africano, Fundo Monetário Africano, Banco de Investimento Africano). Trata-se de um esforço ambicioso, vertebrado por uma ampla coalizão de governos, a serviço do enfrentamento dos graves problemas elencados anteriormente.A medida em que o mundo se torna cada vez mais assimétrico, excludente e inseguro, em que as próprias economias avançadas promovem a formação de grandes blocos regionais, parece não haver alternativa para as nações africanas a não ser investir decididamente nesta proposta de unificação, capaz de otimizar o aproveitamento das grandes riquezas do continente, fortalecendo sua posição negociadora e estimulando os intercâmbios econômico, científico e cultural entre os povos da região. Acima de tudo, parece ser uma oportunidade absolutamente original de reconciliar a África consigo mesma, com suas belezas e seus defeitos, com seus valores e tradições, com sua riqueza e diversidade. É uma chance de encarar seu passado sem as pressões do colonialismo e das rivalidades interestatais, na perspectiva de uma melhor compreensão de seu complexo presente e ante o horizonte da construção de um grande futuro.

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