quinta-feira, 27 de junho de 2013

Brasil, da direita à esquerda 27/06/2013



Na esquerda que apoia o governo, viceja um temor de golpe dado pela direita. Na esquerda que não o apoia, há interpretações que veem um Brasil em estado pré-revolucionário. Na direita mais tradicional, medra a esperança de que o governo entre em colapso. Na extrema-direita, os golpistas estão à solta. Mas todas essas conjecturas esbarram num problema. Por Flávio Aguiar, de Berlim

Berlim - Quarta-feira (26), depois do jogo Brasil 2 x Uruguai 1, a TV ZDF apresentou um especial sobre o Brasil. Mais de uma hora. Imagens muito interessantes, centradas no Rio, Salvador e São Paulo. Com incursões por Brasília, Amazônia e algumas outras (poucas) cidades. Foco nas manifestações: na presidenta Dilma, protestos contra as remoções, contra a Copa, cenas de violência (sobretudo da polícia), e em inevitáveis lugares-comuns – o “custo-Brasil”, o peso da burocracia estatal (apresentado pelo âncora da TV Globo, William Waack), a ineficiência dos portos e do Estado, e... aquela consideração final de que “tudo acaba em samba”, com direito a choro e cavaquinho, além da batucada. Ah sim, não podiam faltar cenas com traseiros femininos estrategicamente dispostos nas também inevitáveis praias. Detalhe interessante: ao analisar possíveis alternativas que nasçam da crise, foco em Marina da Silva. Aécio não estava na pauta.

Terça-feira (25), houve um debate no Instituto Latino-Americano (LAI) da FU-Berlin. Muito concorrido, sala lotada, análises muito interessantes. Pontos tocados, genericamente falando: o “estilo Facebook” das manifestações, sem liderança explícita, apesar de temas-centrais, seguindo tendência mundial; a disputa ideológica da direita, tentando administrar e açambarcar as mesmas; o inconveniente de, por causa disto, deslegitimá-las; o discurso triunfalista do governo posto em cheque; o papel conservador da velha mídia que, primeiro, atacou os manifestantes, depois voltou-se contra os governos, sobretudo os petistas, e depois oscilou entre condenar o “populismo tarifário” e saudar a “refundação do Brasil” (aguardam-se os próximos capítulos); a crise de representatividade da cena política institucional brasileira, como em outros locais (Egito, Tunísia, Turquia, Europa, EUA); a “peemedebização” da política brasileira sob a batuta do PT, correlata da “pefelização” anterior, sob a batuta do PSDB; a necessidade do PT reconhecer e aprender com os próprios erros; a falta de programa da oposição, que apenas espera uma catástrofe que possa derrubar ou impedir a reeleição do governo Dilma, entre outros assuntos. Detalhe interessante: ao analisar possíveis alternativas que estejam se desenhando no bojo da crise, menção à “candidatura” de Joaquim Barbosa, negada por ele, mas insuflada pela mídia conservadora, e a Marina da Silva. Aécio, nem em nota de rodapé.

Voltando à quarta-feira: manifestação no fim da tarde na Alexanderplatz. 200 pessoas, na maioria estudantes (um número significativo, dado que no dia anterior já houvera o debate e estamos em fim de semestre, exames, etc., e num frio de 10 *C). Manifestação, como já é de praxe, convocada pelo Facebook e pelo boca-a-boca. Responsável pela convocação: Caroline D’Essen, que milita na Avaaz. Mas ela explica: não se trata de uma atividade da Avaaz. É sem .org, digamos, espontânea, veio quem quis. Cenas de confraternização amistosa com a polícia. Formam um círculo, cada um pode expor por que veio ali. Apoio às manifestações, repúdio à violência da polícia, repúdio a vandalismos e outras truculências.

Tudo isto confirma uma visão anterior, já manifesta em vários artigos.

Há liminarmente duas ilusões a deixar de lado, ao se considerar o presente cenário político-social brasileiro. A primeira, alimentada pela oposição de direita e pela oposição de esquerda, é a de que “nada mudara” no país. A segunda, alimentada por um “triunfalismo” do governo e por um “quietismo” petista e de setores próximos de esquerda, é a de que “tudo mudara”. Há uma outra ilusão, também presente na velha mídia: a de que “o Brasil foi refundado”, “os sete dias que mudaram o Brasil”, etc.

Muita coisa mudou no Brasil. Mas como é tradicional, isto traz inquietude, exasperação. Um amigo me escreveu que há “muita fumaça no ar”, e ele não se referia a gás lacrimogênio ou pimenta (apenas). Ele se referia ao fato de que há esta sensação de exasperação retro-alimentada pela mídia, pela exasperação de direita e também de esquerda.

A “nova galera” (não vou entrar na discussão movediça e cediça sobre “nova classe média”) que mudou seu patamar de consumo quer mais, e não quer só consumo, quer qualidade de vida e participação política com representatividade. A “velha galera”, ou pelo menos parte dela, vê seus antigos “privilégios”ameaçados: vagas e diplomas universitários (que no Brasil detém um prestígio imenso), lugares nas filas nos aeroportos, acomodação em preços altos mas estabilizados por uma demanda relativamente baixa em relação ao tamanho do Brasil e da população, e outros anéis que edulcoravam seus dedos.

Existe mais e menos dinheiro em disputa. O governo Lula surfou na alta das commodities no mercado internacional e no aumento da demanda interna graças aos (justos) aumentos de salários, a começar pelo mínimo, que deixou de ser mínimo e passou a ser médio-mínimo, embora ainda longe do necessário e suficiente. Como colocou o prof. André Singer em conferência no Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD, resumida na Rede Brasil Atual, este cenário favorável produziu/foi fruto de uma espécie de pacto social à brasileira (não explícito) que começou a encontrar limites a partir da “crise permanente” instalada em escala mundial a partir de 2008. Agora há uma disputa: a galera toda – nova e velha na platéia – quer mais e melhores serviços públicos (mais investimentos sociais na linha pública), a galera das frisas quer mais investimento industrial, e a turma dos camarotes quer mais proteção ao seu rentismo preferencial.

Este nova moldura à espera de um desenho só podia dar em abertura de um ciclo mais conflituado do que o anterior, onde todo mundo ganhara ao mesmo tempo, embora uns mais e outros menos.

A presidenta Dilma percebeu a necessidade deste novo desenho, que expressaria um novo pacto, ou um pacto renovado. É o desafio que vai enfrentar, com ou sem constituinte, com ou sem plebiscito. Se consegui-lo, mesmo que com altos e baixos, vai navegar à vela solta, mesmo que o mar ou o ar sejam cortados por relâmpagos e trovões.

Mas retomando a imagem da fumaça que meu amigo me emprestou, ela arde nos olhos e resseca as gargantas. Muito grito vai continuar rolando pelas ruas brasileiras, e muitos também pelas conspirações, temores e desejos ardentes que se espraiam pedlo Brasil epelo mundo a respeito do Brasil.

Na esquerda que apoia (mais ou menos), por exemplo, viceja um temor de golpe dado pela direita, com apoio em parte do aparato de Estado (alguns setores parlamentares, outros do Judiciário, como aconteceu em Honduras, Paraguai e até nos Estados Unidos, quando da primeira eleição de G. Bush Filho contra Al Gore). Na esquerda que não apoia o governo, vicejam interpretações que veem um Brasil em estado pré-revolucionário. No caminho da revolução mundial que poderia se alastrar a partir do Brasil, está a pedra do sinuoso consórcio dirigente formado por (pela ordem de importância) FIFA-Lula-Dilma-PT-Bancos-Empreiteiras e para quebrar os ovos e fazer a omelete seria necessário decapitar esta serpente. Na direita mais tradicional medra a esperança de que o governo entre em colapso (os mais afoitos) ou em parafuso (os médio afoitos) ou que a eleição em 2014 vá pelo menos para o segundo turno (os mais menos afoitos). Na extrema-direita, onde se amalgamam desde saudosos da ditadura militar ou direitistas ainda infiltrados no aparelho de Estado, vicejam golpistas à solta, com idéias na cabeça e pedras ou barras de ferro na mão, ou às vezes balas de borracha (ainda só, felizmente) do outro lado das linhas, já que barricadas propriamente ainda não há.

Estas conjecturas esbarram num problema. Tirando os golpes judiciários ou parlamentares (ainda não vejo condições para tal), só há duas maneiras de derrubar um governo que não se deixe enredar nas próprias pernas ou se aprisionar no círculo de giz da velha mídia (tudo é possível no reino deste mundo, não esqueçamos). A primeira é pôr os tanques nas ruas. A segunda é pôr o povão nas ruas, e os funcionários públicos a paralisar o aparato de Estado em todas as suas frentes, ocupando ministérios, delegacias, etc.. Ou ainda as duas coisas conjugadas. Olhando para todos os lados, não dá para ver nenhuma destas alternativas em marcha. Pode ser? Em teoria, pode. Mas ainda não se ouve nem o rolar das esteiras nem o marchar das massas.

É verdade que no Rio, na última manifestação, houve a concorrência do pessoal da algumas favelas. Mas pareciam estar lá mais para engrossar o coro do “mais e melhores serviços” e da “maior representatividade democrática” do que para derrubar algum governo.

O Brasil merece, portanto, a atenção, por todas as correntes midiáticas e partidárias, ou apartidárias, que lhe está sendo dispensada. De fato, algo “novo” se forja nas nossas entranhas sociais e entraves políticos.

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