segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Veto a rolezinho consagra o apartheid brasileiro 13/01/2014


VETO A ROLEZINHO CONSAGRA O APARTHEID BRASILEIRO

A lei é clara. Define como como crime "recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador" e as penas de reclusão variam de um a três anos; foi exatamente isso o que aconteceu ontem no shopping JK Iguatemi, quando uma triagem, respaldada por liminar judicial, impediu a entrada de jovens da periferia; em Itaquera, na zona leste, jovens foram agredidos com balas de borracha e cassetetes; repressão aos "rolezinhos" explicita o quanto o Brasil ainda tem que avançar em matéria de igualdade; ontem, três jovens foram presos em São Paulo

12 DE JANEIRO DE 2014 ÀS 14:58

247 - Em janeiro de 1989, ainda no governo do ex-presidente José Sarney, foi promulgada a Lei 7.716, que define os crimes de preconceito de raça ou de cor. O artigo quinto é claro e define como crime "recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador". As penas de reclusão variam de um a três anos.

Foi exatamente isso o que ocorreu ontem no shopping JK Iguatemi, do empresário Carlos Jereissati, quando seguranças do shopping fizeram uma triagem para definir quem poderia entrar e quem deveria ficar de fora – no segundo grupo, estariam todos aqueles que tivessem aparência de jovens da periferia, ou seja, pardos ou negros.

Cientes de que não poderiam discriminar clientes de forma tão explícita – até porque a lei 7.716 é clara e tem penas severas –, os donos do shopping só conseguiram fazer a triagem porque obtiveram uma liminar judicial. Ou seja: o preconceito foi respaldado pela Justiça. Temia-se que jovens da periferia realizassem no JK Iguatemi, Meca do luxo, em São Paulo, um "rolezinho" – manifestação que afirma a identidade desses jovens e tenta mostrar para a sociedade que não são invisíveis ou cidadãos de segunda classe. No entanto, com a liminar, a Justiça contribuiu para que fosse erguida, em São Paulo, a muralha do preconceito (leia maisaqui).

Diante disso, o blogueiro Eduardo Guimarães, colunista do 247, afirma que um direito constitucional dos jovens da chamada nova classe média foi violado (leia aqui). E o sociólogo Rudá Ricci compara o rolezinho ao movimento "occupy" – a diferença é que, desta vez, exercido por cidadãos da perifeira (leia aqui).

Tão grave quanto o ocorrido no JK Iguatemi foi o desfecho do "rolezinho" no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo. Lá, os jovens foram agredidos com cassetetes e balas de borracha pela polícia, sem que tivesse havido qualquer registro de violência. Disse o básico: que todos os cidadãos americanos, independente da cor ou da aparência, têm direito de frequentar os mesmos estabelecimentos.

Assista:

"Tive medo. Já fui em outros rolês, mas desta vez a PM estava batendo até em menina", disse um adolescente de 14 anos. Em nota, a polícia defendeu seus métodos. "No terminal de ônibus, devido ao tumulto, fez-se necessário o emprego de técnicas de controle de distúrbios com uso de munição elastômera (conhecida vulgarmente como "bala de borracha") e de granadas de efeito moral", diz a corporação.

No próximo sábado, dia 18, haverá um novo "rolezinho" no shopping Itaquera. No JK, a liminar ainda impede a entrada de todo e qualquer menor desacompanhado – a menos que convença os seguranças que não tem tipo de jovem da periferia. Ou seja: a justiça consagrou o apartheid brasileiro.

O que também comprova o atraso do País na promoção da igualdade. Em 11 de junho de 1963, quando negros eram impedidos de frequentar os mesmos estabelecimentos comerciais dos brancos, nos Estados Unidos, o então presidente John Kennedy fez um de seus mais importantes discursos. Assista:

Leia, ainda, reportagem da Agência Brasil sobre a prisão de três jovens em um "rolezinho" em São Paulo:

PM prende três pessoas após “rolezinho” em shopping na zona leste de São Paulo

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – A Polícia Militar deteve três pessoas em uma ação para conter um tumulto na noite de ontem (11) no Shopping Metrô Itaquera. Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), centenas de jovens promoveram quebra-quebra, furtos e roubos no centro comercial. O encontro foi um dos chamados rolezinhos, marcados para ocorrer em shoppings da Grande São Paulo. A polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes contra os adolescentes.

De acordo com a SSP, uma loja de jogos eletrônicos teve as portas arrombadas e parte da mercadoria roubada por pessoas portando pedaços de madeira. Dois jovens, de 15 e 19 anos, foram detidos com pedaços de pau. No entanto, nada foi encontrado com eles.

Um adolescente de 16 anos foi detido, segundo a PM, com um celular roubado no bolso. Ele é suspeito de ser uma das 11 pessoas que agrediram dois irmãos com socos e chutes. O grupo roubou celulares, tênis e bonés das vítimas do lado de fora do shopping. O menor apreendido será encaminhado para a Vara da Infância e Juventude.

Os rolezinhos, encontros marcados pelas redes sociais por jovens da periferia em centros comerciais, começaram no final do ano passado. Os primeiros foram organizados por cantores de funk em resposta a aprovação pela Câmara Municipal de um projeto de lei que proibia bailes do estilo musical nas ruas da capital paulista. A proposta foi vetada pelo prefeito Fernando Haddad no início de 2014. Os rolezinhos continuaram, no entanto, a serem organizados. A polícia tem reprimido os atos.

Para o sociólogo João Clemente Neto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as manifestações emshoppings estão ligadas à carência de locais para lazer e cultura. “Se você for em alguns lugares, mesmo nos bairros da classe média, você não encontra espaço para isso. Se você pegar a cidade de São Paulo, quantos milhões de jovens e adolescentes nós temos? E os espaços para livre manifestação são minúsculos”, ressaltou o professor, que trabalha com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Para Neto, os jovens optam por se manifestar nos shoppings pela visibilidade dos locais e pela mensagem que eles tentam passar. “Tudo que nós falamos de consumo, que ele quer ver e quer consumir, aparece noshopping. E, ao mesmo tempo, é uma forma de resistência, porque ali é o espaço do consumo. Então, quando você fala ali, é uma forma daquele grupo se reconhecer naquele espaço”, concluiu.

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