quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Atentado em Paris: as lágrimas de crocodilo dos dirigentes europeus e dos EUA 18/11/2015



por Edmilson Costa [*]


 O terrorismo é um método de ação pequeno-burguês, eivado de niilismo e revolta cega, cujos autores imaginam que podem mudar alguma coisa mediante ações individuais, desligadas das massas. Além disso, quando o terrorismo é realizado indiscriminadamente, atingindo a população civil, esse tipo de ação se torna ainda mais condenável, pois mata pessoas inocentes e não serve à causa que os próprios terroristas defendem. Trata-se apenas do terror pelo terror, da barbárie pura e simples. Em algumas situações, em que se torna necessário ações específicas contra certos objetivos militares ou governamentais, no bojo de grandes lutas de massas ou dualidade de poder, essas ações podem até ser realizadas, desde que não atinjam civis ou inocentes.

Esse atentado em Paris se enquadra nas ações de terrorismo puro e simples. Cerca de 130 pessoas foram assassinadas, nenhuma delas possuía relação com o governo ou tinha realizado qualquer ação contra o islamismo. Foram mortos simplesmente por estar no lugar errado, na hora errada. Tratou-se, evidentemente, de um ato bárbaro que ceifou a vida de inocentes, executado por fanáticos, sem nenhum critério político, ideológico ou militar. Na verdade, os executores desse massacre eram apenas peões guiados desde longe por interesses geopolíticos e econômicos do imperialismo, tanto europeu quanto norte-americano. O atentado deve ser duramente condenado e seus autores punidos severamente, mas é importante refletirmos: por que ocorrem tragédias tão bárbaras como esta em pleno século XXI?

Os atentados realizados na França, como o das torres gêmeas nos Estados Unidos e em vários países se assemelham à lenda do feiticeiro que, ao desenvolver de maneira descontrolada o feitiço, terminou não controlando mais a alquimia e esta voltou-se contra o próprio feiticeiro. Os atentados contra as torres gêmeas foram realizados pela Al Qaeda, um grupo terrorista treinado e financiado pela CIA para lutar contra os soviéticos no Afeganistão. Enquanto lutou contra os soviéticos, Bin Laden era festejado como herói, saia em fotos ao lado de dirigentes dos Estados Unidos e era reverenciado no Ocidente. Quando a guerra acabou e os EUA tentaram descartá-lo porque este não servia mais aos seus interesses, recebeu o troco, com os atentados que resultaram em milhares de mortes no centro do império.

Agora a França está sentindo na carne pela segunda vez a mesma dupla moral do imperialismo. O Estado Islâmico e outros grupos terroristas que atuam na Síria foram treinados e armados pelo Ocidente para derrubar o presidente Bashar Assad, porque a Síria representa no Oriente Médio um espinho na garganta do imperialismo, uma vez que não se dobra aos interesses do Ocidente na região. Os Estados Unidos e a Europa, especialmente a França, além da Arábia Saudita, Qatar e Turquia, organizaram milhares de mercenários, oriundos de dezenas de países, construíram rede logística, doaram equipamentos bélicos altamente sofisticados para invadir a Síria e depor seu presidente. Provocaram uma guerra civil e um banho de sangue no País, cujo resultado é a morte de 280 mil sírios, entre os quais milhares de crianças, o deslocamento de 11 milhões de habitantes e o êxodo de 800 mil refugiados que hoje perambulam famintos pela Europa.

Poucos também ainda lembram de que há quatro anos, o Departamento Militar dos Estados Unidos na Europa, a OTAN, com o apoio decisivo da França e sem nenhum motivo plausível, a não ser o desejo de derrubar o presidente da Líbia, Muamar Kadafi, colocou toda a sua máquina de guerra para bombardear a Líbia e organizou milhares de mercenários para invadir o País e matar o presidente, num espetáculo dantesco divulgado pelas TVs do mundo inteiro. Essa guerra particular do imperialismo contra uma nação soberana custou milhares de vidas, desarticulou o Estado líbio e espalhou a anarquia institucional, onde cada região do País é governada por gangues mercenárias que espalham diariamente o terror entre a população.

É educativo recordar ainda que a guerra dos mercenários contra a Síria tem o apoio também decisivo da França, que forneceu armamento aos mercenários, chamados eufemisticamente de "grupos moderados". Ao admitir que estava entregando armas para esses grupos, o presidente "socialista" francês, François Hollande, disse que os equipamentos bélicos estavam dentro do compromisso europeu com o esforço para derrubar Assad. Esse mesmo argumento foi também expresso pelo presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, quando solicitou ao Congresso verbas para o financiamento dos "rebeldes sírios". Qualquer observador sabe que esses mercenários são treinados em campos da Jordânia e da Turquia pela CIA e depois são enviados para a Síria. Ao chegar na Síria, as armas terminam caindo nas mãos do Estado Islâmico porque os mercenários não têm moral: lutam ao lado de quem paga mais. E o Estado Islâmico, que controla regiões petrolíferas do Iraque, tem dinheiro suficiente para absorver os novos combatentes. Tudo isso é feito com o conhecimento da CIA, resultando no fato de que o Estado Islâmico se tornou o grupo mais forte entre os mercenários no interior do País.

Estado Islâmico ganha vida própria

Nessa conjuntura, o Estado Islâmico ganhou vida própria. Instalou um Califado na região, instituiu leis medievais nas cidades sob seu controle, destruiu monumentos históricos, realizou um conjunto de atrocidades contra os povos das áreas ocupadas e ainda tinha a prática de degolar os habitantes que não se convertiam ao islã. Enquanto acontecia com os povos da região, essa prática era tolerada pelo Ocidente e desconhecida do grande público. Só se tornou um fato internacional quando jornalistas ocidentais e estrangeiros em geral, europeus e norte-americanos, foram degolados publicamente, com grande estardalhaço e publicidade. A partir daí o mundo inteiro tomou conhecimento dos métodos do Estado Islâmico e sua imagem se deteriorou internacionalmente. Mesmo assim a CIA e os outros serviços de inteligência ocidental continuaram fornecendo, por baixo do pano, armas e material logístico para esses terroristas continuarem matando civis na Síria.

Um dos elementos da conjuntura que mostra a hipocrisia do imperialismo norte-americano e europeu na guerra da Síria é fato de que, quando a imagem do Estado Islâmico se deteriorou definitivamente, o Estados Unidos e os países da Europa resolveram "combater" o Estado Islâmico. Era uma forma de dar alguma satisfação à opinião pública diante das atrocidades cometidas por esses terroristas. Após mais de um ano de bombardeios, o Estado Islâmico continuou mais ativo do que nunca, sofisticando suas ações, ampliando seu exército e conquistando novos territórios.

Quando a Rússia decidiu, por solicitação da Síria, bombardear efetivamente os terroristas do Estado Islâmico, em coordenação em terra com o Exército Sírio, logo a opinião pública mundial tomou conhecimento do engodo que era a luta dos Estados Unidos e da Europa contra esses terroristas. Em menos de três semanas, os russos destruíram campos de treinamento, sua logística, depósitos de armas, bunkers, mudando assim o curso da guerra. A partir daí, com os terroristas em debandada, o Exército Sírio foi retomando as cidades ocupadas e demonstrando ao mundo a farsa dos bombardeios dos Estados Unidos. Ou seja, em um mês a Rússia fez mais do que os Estados Unidos e o Ocidente em mais de um ano.

Diante desse fato insofismável, qual foi a reação do governo norte-americano e de seus aliados? Um cinismo risível. Quando os primeiros resultados dos certeiros bombardeios se tornaram públicos, em vez dos Estados Unidos elogiarem os russos pelos êxitos no combate aos terroristas que eles teoricamente estavam também combatendo, colocaram toda a máquina de propaganda para divulgar que os russos não estavam bombardeando o Estado Islâmico mas os "rebeldes" treinados pela CIA, que os russos erraram alvos e acertaram civis ou que bombardearam por engano território do Irã. Como essas informações eram fantasiosas e convenciam poucas pessoas, mudaram de tática e agora procuram se desvincular do jogo sujo, criando algum fato para salvar sua imagem.

Recentemente, diante da inevitável derrota do Estado Islâmico pelos bombardeios russos, os Estados Unidos novamente buscam manipular a opinião pública através dos meios de comunicação a serviço de seus interesses. Agora, divulga-se que os EUA estão bombardeando efetivamente o Estado Islâmico e num desses bombardeios chegaram a matar o chefe dos terroristas que degolava os estrangeiros. Querem desesperadamente mudar a imagem, associando sua ação à morte de um terrorista "degolador de ocidentais". Pura propaganda. Para quem estava há mais de um ano lutando contra esse grupo terrorista, matar um degolador é um feito não muito digno do exército mais bem equipado e sofisticado do mundo.

Não se pode esquecer também que a França é um dos principais parceiros da Arábia Saudita, uma monarquia feudal e reacionária, principal baluarte do imperialismo no Oriente Médio. Fica muito difícil para a França dizer que todos devem se unir para combater o terrorismo, ao mesmo tempo em que é um dos principais países vendedores de armas para a Arábia Saudita, a principal financiadora dos grupos mais radicais do terrorismo internacional. Essas armas francesas terminam caindo nas mãos dos terroristas. Além disso, como país colonialista, a França não respeita a soberania dos países africanos, suas antigas colônias. Nos últimos anos, mesmo com um governo que se diz socialista, invadiu vários países para defender seus interesses. É contraditório e ridículo querer combater o terrorismo alimentando os terroristas ou os países que os financiam. Em outras palavras, a política francesa para o Oriente Médio contribuiu para o fortalecimento do terrorismo no mundo. Criaram um monstro e foram atacados por ele.

Os mortos de segunda classe

Neste momento, todos os dirigentes dos países ocidentais estão consternados com as mortes de Paris, mas nenhum deles se sensibiliza com as mortes que ocorrem diariamente nos países da periferia, fruto da política imperialista dos Estados Unidos e da Europa. No mesmo momento em que ocorreram os atentados em Paris também os terroristas do Estado Islâmico realizavam um atentado em Beirute no qual morreram 43 pessoas e mais de 280 ficaram feridas. Há algum tempo atrás os terroristas invadiram uma universidade no Quênia e mataram 147 estudantes, da mesma forma que mataram outras centenas na Nigéria.

Todos os dias palestinos são mortos pelas tropas de ocupação de Israel, num espetáculo de brutalidade que já se tornou rotina na região. Milhares de pessoal morreram na invasão da Líbia pelos bombardeios da OTAN e pelas tropas mercenárias a serviço do imperialismo. Outros milhares também morreram ou estão ainda morrendo no Iraque e no Afeganistão. Na Síria, o número de mortes causadas pela guerra imperialista já pode ser considerado um genocídio. Todas estas mortes são da responsabilidade direta da política imperialista para o Oriente Médio e a África na sua insaciável busca por fontes de petróleo, gás e matérias-primas. Para atingir seus objetivos, o imperialismo não limites.

Nenhum dirigente das potencias ocidentais veio a público condenar de forma tão indignada essas atrocidades como estão fazendo com os atentados de Paris. É a indignação seletiva do Ocidente. Parece que a vida dos árabes e africanos tem pouco valor, são mortes de segunda classe. Afinal, nenhum deles era branco de olhos azuis ou residente nas metrópoles imperialistas. Além da brutalidade como o imperialismo trata esses povos, existe também algo vinculado ao racismo, fenômeno típico das sociedades ocidentais, que cresceram e se desenvolveram explorando e humilhando esses povos.

Isso pode ser visto claramente na cobertura realizada pelos meios de comunicações, também controlados pelas nações ocidentais. Nas mortes de segunda classe, eles praticamente silenciam. Tratam a carnificina no Oriente Médio e na África como uma coisa de pouco destaque. Mas quando os atentados são realizados nas vitrines do capital, nos Estados Unidos ou na Europa, os jornais realizam uma cobertura com grande estardalhaço. Passam dias e dias desdobrando o assunto. Transformam essas mortes de primeira classe numa calamidade mundial, incitam a população à solidariedade induzida e todos os dirigentes tratam esses episódios como uma guerra contra os valores ocidentais.

Quem são os verdadeiros responsáveis?

Na verdade, os principais responsáveis pelo terrorismo no mundo são o imperialismo norte-americano e europeu, além de Israel. São os seus governos que armam, treinam e constroem a logística e fornecem as coordenadas de inteligência para esses grupos atacarem países que não seguem o receituário imperialista. Armam terroristas contra Cuba, "contras" para desestabilizar a Nicarágua, Bin Laden e a Al Qaeda para atacar os soviéticos, mercenários para invadir a Líbia e outros grupos que estão direta ou indiretamente servindo aos seus interesses. Na Síria, todos os grupos terroristas, especialmente o Estado Islâmico, foram armados e treinados pelos serviços de inteligência ocidental.

O Estado Islâmico e os outros grupos mercenários que atuam na Síria são criaturas do imperialismo, filhos legítimos ou bastardos da política externa do Ocidente imperial. Sem as armas, o treinamento, a logística e a inteligência e o financiamento do imperialismo estes grupos não teriam condições de operar da mesma forma que estão operando na Síria. Como se explica que um grupo como o Estado Islâmico, inexpressivo há cinco anos, construa num passe de mágica um exército com mais de 50 mil pessoas, com armamento pesado, artilharia, tanques, mísseis e toda a parafernália militar sofisticada que utilizam atualmente? Como explica os desfiles triunfais desse grupo terrorista, com centenas de pick-up novinhas, dezenas de tanques, armamento pesado e moderno, quando conquistam uma cidade ou território?

Todo esse armamento é fornecido pelos países imperialistas e por seus satélites para desestabilizar governos legítimos. Por isso, as lágrimas de crocodilo derramadas pelos dirigentes franceses e ocidentais em geral é uma tremenda hipocrisia contra a opinião pública mundial e os franceses em particular. As balas que mataram os franceses inocentes nesses atentados provavelmente foram fabricadas nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França e os terroristas que executaram os atentados possivelmente foram treinados pelos serviços de inteligência ocidentais. Denunciar essa hipocrisia dos líderes ocidentais neste momento, esclarecer a população sobre os verdadeiros responsáveis por esses atentados é um dever de todos aqueles querem transformar o mundo e se livrar do imperialismo.

A funcionalidade do terrorismo

Vale ressaltar finalmente que o terrorismo é funcional para o capital e o imperialismo, especialmente neste período de crise sistêmica global. Alimentando e financiando o terrorismo contra governos legitimamente eleitos, mas contrários à política do império, desestabiliza-se essas nações, depõe-se seus dirigentes e implementa-se a política econômica imperialista, ampliando-se assim as fronteiras geopolíticas do capital. Pouco importa se para realizar essas ações sejam assassinados centenas de milhares de pessoas, como aconteceu na invasão do Iraque, da Líbia e na guerra mercenária contra o governo da Síria.

Quando o terrorismo ganha vida própria, comete atrocidades nas regiões onde atua e esses fatos chegam à opinião pública internacional, os terroristas deixam de ser funcionais e são descartados por seus patrocinadores. Inverte-se então a equação: para vingar-se da ingratidão, os terroristas punem severamente seus antigos patrocinadores com atrocidades selvagens, como ocorreu agora em Paris. Mas essas atrocidades são muito menores do que aquelas que praticam nas regiões onde aterrorizam as populações locais. Como são realizadas contra povos de segunda classe não ganharam manchetes nos jornais, rádio ou televisão. Mas quando ocorrem no centro do império, ganham dimensão mundial.

No entanto, por incrível que pareça, esses atentados são também funcionais para o capital em época de crise. Sob o pretexto de combater o terrorismo, os governos ocidentais promulgam leis cada vez mais repressivas contra a população e os trabalhadores. Procuram criminalizar os movimentos sociais. Os partidos de extrema-direita, ganham novos argumentos para perseguir os imigrantes e crescerem eleitoralmente em seus países, tornando-se uma reserva de valor político muito importante que poderá ser utilizada nos momentos de agravamento da crise, como ocorreu no período anterior à Segunda Guerra. Portanto, as lágrimas de crocodilo dos dirigentes ocidentais representam não só a hipocrisia dos representantes de uma classe apodrecida e a dupla moral do imperialismo, mas principalmente a necessidade de superar o sistema imperialista.
17/Novembro/2015 [*] Doutorado em economia pela Universidade Estadual de Campinas e secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista Brasileiro.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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